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Ted Lasso, Exupéry e a lição dos vagalumes

Mesmo os maiores talentos individuais só alcançam o máximo de sua potencialidade em ambientes colaborativos

“Ted Lasso”, série que estreou sua segunda temporada na Apple TV+. é um verdadeiro download de experiências positivas estudadas pela psicologia e pela neurociência, com muita simplicidade: Ted é um treinador de futebol americano que aceita um emprego no Reino Unido. Tecnicamente, ele é um profissional regular. Suas virtudes e também as vulnerabilidades são, porém, inspiradoras para os demais.

Ted é um líder humano, sem superpoderes, cheio de inseguranças, mas certo de que no comando, o time deve ter interesses coletivos postos acima de questões individuais, sempre e sem negociações.

Tudo em torno de Ted fala mais sobre contexto do que exercer controle, e o coach não teme pessoalidade, como deixar de ser amado, ao tomar decisões contra a vontade alheia. Se ele acredita ser melhor para o time, será feito em detrimento da frustração individual.

Quando Jamie, seu melhor jogador, se recusa repetidamente a passar a bola, Ted o coloca no banco, contra a legião de fãs irritados no estádio e contra o que seria, em outra percepção, a sua maior estrela.

“Podemos mudar nossas crenças. Todos achávamos que as árvores competiam em busca de luz, e graças a Suzanne Simard descobrimos que as florestas são criaturas sociais extremamente cooperativas e conectadas no subterrâneo”. Esta fala do personagem Ted Lasso ilustra a mudança da crença na melhora da produtividade em ambientes competivos para ambientes colaborativos.

Pioneira na comunicação e inteligência de plantas, Suzanne Simard é a cientista canadense que inspirou o cineasta James Cameron a criar a Árvore das Almas do filme “Avatar”. Seu TED foi visto por mais de 10 milhões de pessoas. Em maio deste ano lançou seu primeiro livro, que ainda está sem tradução em português, “Finding the Mother-Tree” (Encontrando a árvore-mãe).

Nesse livro, Simard mostra que as árvores-mães nutrem a floresta e sustentam laços inseparáveis que possibilitam toda a sobrevivência não só da sua espécie, mas da vida sobre o planeta. Mostra ainda que as árvores, vivendo lado a lado por centenas de anos, evoluíram, se percebem, aprendem e adaptam seus comportamentos, reconhecem os vizinhos e se lembram do passado; elas conseguem estabelecer comunicação, dar avisos e montar defesas, cooperando umas com as outras, características estas que embasam as sociedades civis, com muita eficiência.

Segundo Shawn Achor, autor de diversos best sellers como o “Jeito Harvard de Ser Feliz” e “O Grande Potencial”, o maior ativo que se pode ter é o capital social. Ter boas pessoas ao seu lado ajuda você a trilhar um caminho feliz. A conectividade entre os seres, para o autor, é a principal causa do sucesso dos empreendimentos. Entre suas lições estão:

  • Atributos individuais funcionam em coletividade: inteligência, criatividade, liderança dependem também da receptividade das outras pessoas, com as quais estamos conectados. Por isso, em de tentar alcançar o sucesso individual, de forma competitiva, é melhor unir-se ao outro, tornando o todo mais forte de forma colaborativa.
  • É preciso mudar a cultura individualista que pergunta “Quantos pontos você marcou?” para uma cultura colaborativa que pergunta “Como você ajudou seu time a vencer?”. Para isso, as empresas precisam parar de premiar apenas o desempenho individual e passar a premiar o bom trabalho em equipe.
  • Reconhecimento faz com que nosso cérebro alcance um desempenho superior. Para isso, é preciso reaprender a elogiar sem fazer comparações, fato associado a uma cultura competitiva
  • Elogie o processo, e não apenas o resultado. É preciso elogiar a base, para que esta também tenha sucesso. Cultura de equipe.

Numa viagem ao sudeste asiático, em 1935, enquanto observava um manguezal, o biólogo americano Hugh Smith percebeu que havia uma estranha sincronicidade nos flashes dos vagalumes, ou seja, as árvores piscavam inteiras. Sabendo que a emissão de luzes dos insetos visa chamar a atenção de fêmeas, o relato do professor sobre sua vivência acabou sendo desacreditado por parte de outros cientistas da época, que julgavam não fazer sentido, pois deixavam questões relevantes sem resposta:

  • Como a fêmea faria sua escolha, se todos iluminavam ao mesmo tempo?
  • Quem orquestraria o timing do pisca-pisca no caos da natureza?
  • Como os insetos se uniriam em profunda escuridão para fazer o fenômeno acontecer?

Com o passar dos anos, novos estudos foram sendo realizados e a ciência provou que há uma finalidade evolutiva na cadência promovida pelos vagalumes; unidos, eles aumentam em 79% as chances de serem notados favoravelmente pelas fêmeas (Moiseff e Copeland, Revista Científica Science).

Segundo Shawn Achor, o mesmo pode ser aplicado aos seres humanos; ao se transformarem em um “nó positivo” da sua rede de trabalho, ou da sua comunidade, ao ajudar os outros a serem mais criativos, produtivos, você não só estará ajudando o grupo a melhorar, como estará aumentando suas próprias chances de sucesso. E inclui um detalhe interessante à intrigante história dos vagalumes:

Os biólogos que estudaram os manguezais descobriram que o brilho dessas florestas pode ser visto a quilômetros de distância, facilitando assim que outros vagalumes sejam atraídos pela luz. Quanto mais brilhante, mais insetos se unem ao grupo e mais brilhante a luz fica.

De maneira análoga, o trabalho em equipe vem ganhando importância em todas as áreas de desenvolvimento pessoal, em detrimento dos “atacantes” de jogadas individuais. E a escolha do substantivo aqui não é um mero acaso. Um fato histórico no âmbito esportivo do nosso país ilustra bem o tema. A vitória da Alemanha por 7 x 1 contra o Brasil, no final da copa do mundo de 2014, nos lembra mais precisamente sobre os efeitos de creditar individualmente resultados a um jogador e, consequentemente, na falta dele e sem cultura campeã como time, a equipe acabara sendo massacrada pelo adversário, conhecido exatamente por prezar pela interconexão entre seus jogadores.

Com o propósito de construir um time perfeito, o Google iniciou em 2011 o Projeto Aristóteles e, durante os 10 últimos anos, estudou o comportamento de seus colaboradores com foco no que torna um time eficiente. O estudo revelou que um funcionário passa mais de 75% do seu tempo se comunicando com colegas; para isso, esse estudo se baseia em centenas de entrevistas individuais e na análise de dados de mais de 100 equipes de trabalho.

Entre os principais relatos, destaca-se que as melhores equipes são aquelas que respeitam as emoções do outro e estão conscientes de que todos os membros devem contribuir com a conversação. Ao mesmo tempo em que mostrou que “quem” está na equipe não é o fundamental, e sim “como” os membros interagem.

Os insights gerais originados desse estudo não trouxeram necessariamente uma novidade que qualquer bom líder já não soubesse. O melhor desempenho ocorre quando o contexto oferece:

  • Segurança psicológica – Podemos assumir riscos sem nos sentir inseguros ou envergonhados?
  • Confiabilidade – Podemos contar com os outros para executar em dia, um trabalho de alta qualidade?
  • Estrutura e clareza – São claros os objetivos, as funções e os planos do grupo?
  • Significado do trabalho – Será que estamos trabalhando em algo que é pessoalmente importante para cada um de nós?
  • Impacto do trabalho – Acreditamos no trabalho que estamos fazendo?

O paradoxo do Google

Num artigo do New York Times de 2006, o autor se refere ao paradoxo do Google. A empresa líder em encontrar padrões se depara com a absoluta falta de padrões:

Alguns grupos classificados entre as equipes mais eficazes do Google, por exemplo, eram compostos de amigos que socializavam fora do trabalho. Outros eram formados por pessoas que eram basicamente estranhos, longe das salas de reuniões. O mais confuso de tudo é que duas equipes podem ter composições quase idênticas, com associações sobrepostas, mas níveis radicalmente diferentes de eficácia.

E finaliza, trazendo um resultado muito simples: “Nas melhores equipes, os membros ouvem uns aos outros e mostram sensibilidade aos sentimentos e necessidades”.

A cultura de formação de times eficientes vem sendo adotada por grandes empresas inovadoras da atualidade. “Temos pessoas excelentes trabalhando juntas como se fossem os jogadores de um time extremamente funcional. Essa abordagem nos torna uma organização mais flexível, divertida, estimulante, criativa, colaborativa e bem-sucedida.” – explica a gigante de streaming Netflix, em sua cultura corporativa, segundo a qual, o time dos sonhos seria:

“Aquele em que todos os seus colegas são extraordinários no que fazem e são colaboradores altamente eficazes. Nossa versão de um ótimo local de trabalho não inclui academias incríveis, escritórios chiques ou festas frequentes. Nossa versão de um ótimo local de trabalho é criar um time que busca objetivos comuns e audaciosos, nos quais investimos muito. É com essa equipe que você aprende mais, executa seu melhor trabalho, melhora mais rápido e se diverte mais. É desafiador ter uma empresa inteira de times com esse perfil (ao invés de apenas alguns pequenos grupos). Sem dúvida, temos que contratar bem. Também precisamos promover a colaboração, adotar diversidade de pontos de vista, apoiar o compartilhamento de informações e desencorajar a politicagem.”

Antoine de Saint-Exupéry, o autor de “O Pequeno Príncipe”, nos disse que:

“Se você quer construir um navio, não chame as pessoas para juntar madeira, ou atribua-lhes tarefas e trabalho, mas sim ensine-os a desejar a infinita imensidão do oceano.”

Fonte: https://oespecialista.com.br/opinioes/ted-lasso-exupery-e-a-licao-dos-vagalumes/

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